domingo, 15 de maio de 2011

O vestir e a questão de gênero

No último ano, o mundo dos quadrinhos se deparou com uma notícia um tanto quanto inesperada: Laerte, um dos principais quadrinistas do Brasil, ícone de publicações como O Pasquim, passou a se vestir de mulher. 
Eu mesma, quando ouvi a notícia, demorei a acreditar. Meu deus, o que passou na cabeça dele?

Depois de um inicial bafafá, os meios de comunicação e as redes sociais pareceram esquecer um pouco a história. Hoje li uma reportagem do portal ig, que muito me agradou. Além de ter tratado do assunto de forma despida de preconceitos, me esclareceu algumas coisas.

Ainda não havia lido sobre o que o motivou a fazer isso, ou se era uma decisão diretamente ligada a uma orientação sexual... Não é.
Em outra entrevista, quando questionado sobre os motivos da  mudança, ele simplesmente respondeu: Me deu vontade.
Maravilha! Taí uma coisa que o ser humano, desde que definiu algumas regras de conduta e se acorrentou a elas, tem tido muita dificuldade de fazer: simplesmente o que lhe dá vontade.
Ah, mas então o Laerte é gay? Não, não é. Ele inclusive namora uma mulher, de quem pega algumas peças de roupa emprestadas. O que ele fez foi encarnar o conceito de que gênero não está definitivamente ligado à orientação sexual. Essa idéia é a base do pensamento contrário à homofobia: o ser humano, enquanto ser livre que é, pode fazer as escolhas que quiser, e ponto final. Ele, inclusive, vem vivendo isso como experiência antropológica... Lindo!

Um homem que se veste de mulher necessariamente gosta de homens? Não.
Uma mulher que se veste de homem necessariamente gosta de mulheres? Não.
Um homem que se veste de homem necessariamente gosta de mulheres? Não.
Uma mulher que se veste de mulher necessariamente gosta de homens? Não.


Indo mais longe ainda: o que é se vestir de homem, o que é se vestir de mulher? O termo "se vestir de" já não carrega uma ação externa à essência da pessoa? Eu posso tanto me vestir de homem quanto de coelho, sem ser nenhum dos dois. Acho interessante uma matéria como essa figurar na página de moda do ig: essa atitude do Laerte escancara o fato de que o que vestimos, usamos, parecemos, não tem nada a ver com o que somos.

E o que é ser homem, o que é ser mulher? 
No segundo semestre do ano passado desenvolvi com meus alunos de sete a doze anos, em parceira com uma querida amiga e companheira de labuta, uma oficina de Corpo e sexualidade. Além de falarmos sobre reprodução e de desmistificarmos algumas questões sexuais como a masturbação, trabalhamos bastante a questão do gênero. Havia um exercício no qual as meninas deveriam explicar para um ET, que nunca havia vindo pra Terra e que vinha de um lugar onde só havia um gênero, o que é ser homem. E os meninos explicar o que é ser mulher. A conclusão, com maior ou menor dificuldade dependendo do grupo, foi que as únicas diferenças são físicas, no que concerne aos aparelhos reprodutores. Todas as questões comportamentais foram descartadas, depois de muito debate. Alguns não saíram dali convencidos. Mas foram poucos. No geral, acho que conseguimos, pelo menos, plantar a sementinha da dúvida na cabeça deles:

O que faço define o que sou?

Por fim, recomendo um curta metragem que vi na Casa das Caldeiras, que trata do assunto de homens e mulheres que trocaram ou gostariam de trocar de sexo, e muito nos sensibiliza acerca da escolhas sexuais e comportamentais que tomamos. Além dele, um filme maravilhoso para discutir o tema é o Transamérica. Que, ainda por cima, tem uma trilha sonora deliciosa!

Referências:

Matéria do Ig sobre o Laerte:
http://moda.ig.com.br/modanomundo/ser+mulher+e+muito+caro/n1237812404702.html#5

Transamérica (Transamerica)
2005 - EUA
Direção: Duncan Tucker
Roteiro: Duncan Tucker
Música: David Mansfield


O Corpo Conforme
Brasil
Direção: Letícia Marques



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