sábado, 10 de dezembro de 2011

O dia em que fui ver meus alunos estrearem

Tenho pensado de uns tempos pra cá que o que me importa na arte é a sinceridade. 

Acabei de viver uma experiência muito profunda: fui assistir à estréia do grupo de Vivências Teatrais do SESC Interlagos, que eu acompanhei por um ano e meio. Passamos por um processo longo e cheio de contratempos, mas que deu origem a uma peça elaborada pelos participantes, que têm de 17 a 76 anos de idade.

O tema escolhido e desenvolvido foi o papel da mulher na sociedade. Quando dessa escolha, o grupo era formado apenas por mulheres. Depois entraram três homens. Ao longo do processo, nos soltamos, nos abrimos, nos envolvemos, nos emocionamos. Porque quem acha que ser professor não implica em passar juntamente pelos processos do grupo, é porque não conhece ou está muito equivocado acerca do que é, de fato, ser professor.

Ao longo de oito meses, de abril a dezembro de 2010, fomos eu e eles. Oito meses descobrindo e provocando cada um dos universos que faziam parte daquele grupo. Cada dia era um que se abria, que descobria um caminho novo pra uma cena antiga, uma entonação mais interessante. Demorou certo tempo até eu me acostumar, aos 26 anos, a ser chamada de professora por pessoas de setenta e poucos anos. “Não é isso”, eu pensava, “Elas me ensinam mais do que eu a elas”. Mas a situação era essa. Aconteceu que, sobre teatro, eu acabei por saber um pouco mais, e fui parar ali, no meio daquelas pessoas, pra ensinar.

Todos os sábados chegava um pouco cansada no ensaio: vindo de uma semana puxada de labuta, com o ensaio bem após o almoço, e com questões difíceis em relação ao trabalho. E saía sempre com o mesmo sentimento: alimentada, freqüentemente cantarolando, leve, querendo mais, e com a sensação de um certo desequilíbrio. Eu até ensinava técnicas de respiração, boas formas de ocupar o espaço do palco, ou de falar melhor uma frase. Mas o que eu aprendi sobre o gênero humano naquelas horas está muito além do que qualquer técnica teatral.

Houve quem me dissesse que o fazer teatral não se diferia de qualquer outra atividade física. Pena. Porque a diferença é latente, mas não é mensurável. Não há estatística que traduza o que um processo teatral faz com o ser humano. Todos os seres humanos envolvidos.

De janeiro a julho de 2010, por motivos bur(r)ocráticos institucionais, tive que participar do processo do grupo de forma mais distanciada, com outros instrutores e oficineiros guiando o processo, que até por conta dessas mudanças, se alongou muito mais do que eu imaginava. Ainda bem que grande parte das pessoas que passaram a se envolver entendeu e comprou a proposta afetiva do processo. Porque trabalhar com afeto é afetar.

Voltei a ver o grupo constantemente em agosto, num semestre que combinaria a finalização da montagem, com uma perspectiva de me transferir para outra unidade – coisa que eu queria muito, não fosse esse processo inacabado -, com uma licença médica de 15 dias. Na última semana de outubro, me despedi do grupo com uma peça em pé, mas ainda faltando muita coisa, muitos nós a serem desatados. O diretor que foi contratado para dar seguimento ao processo, o Paulo, absorveu e assumiu esse caráter afetivo das relações, que pra mim era a coisa mais preciosa dali.

Mudei de unidade com o coração na mão.

Hoje fui assistir à estréia. Passei a semana entrando em contato com pessoas que haviam se envolvido com o processo. Encontrei quase todas no teatro. Fui amparada por minha mãe e meu namorado, ambos me dizendo pra não ficar nervosa. Mas eu estava uma pilha. Era muita emoção fervilhando no peito, pensar que esse processo teria sua finalização, digna do quanto tantas pessoas se dedicaram a ele. Lá ainda encontrei companheiros de trabalho que acompanharam a historia toda de fora, e ainda meu amigo mais antigo, o Luiz, que começou a fazer teatro comigo aos 11 anos de idade, e hoje também é ator. Presenças essenciais.  

Optei por não me sentar muito na frente. Comecei a chorar assim que a peça começou, e não parei mais. Manteiga derretida é assim, fazer o que?

Mas enquanto via aqueles homens e mulheres no palco, falando textos e cantando músicas que tínhamos descoberto juntos, decidido juntos, e que eu sabia exatamente porque estavam ali, vírgula por vírgula, fui me dando conta de que aquilo era meu também. Aquilo era eu. E tão bem representada por aquelas pessoas que me conquistaram nesse último ano e meio.

No final quase não conseguia falar nada, tanto que chorava. Mas eles entenderam que eu estava orgulhosa. E eu também entendi uma cacetada de coisas. Entendi porque fui fazer teatro, entendi porque eu gosto tanto de gente. Entendi que não há percalço que detenha um movimento tão forte quanto esse. Entendi que a sensibilidade sempre ganha da estupidez. E entendi que, quando a coisa é sincera, ela vira nossa, ela nos representa, e emociona quem quer que seja.

Obrigada meninas e meninos. Obrigada por me ajudar a ser um ser humano melhor.

3 comentários:

  1. Algumas lagrimas escorrendo no canto do olho... emocionada e com saudades de vc e de todos esse sentimentos. Tay.

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  2. Fiquei aqui quase estático, relembrando alguns momentos compartilhados antes por você neste processo.
    Acredito que a doação seja entre outros sentimentos humanos, o de maior nobreza. A sabedoria de saber dar e receber.
    Perceber aqui, se emocionar aqui... fica claro, “quanto você foi cada um deles” e certamente a eles isso não foi diferente, e... assim ficará para sempre.
    Ainda que o tempo faça do tempo disso, alguns suspiros de saudade, com a carona de sentidos físicos: um suspirinho no peito, um secar de garganta, pupilas dilatadas, vocês estarão sempre ligados por estas lembranças. Alguém dirá o que se apreendeu, e você o que viveu.

    Obrigado pela doação, especialmente por compartilhar tal sentimento tal sinceridade.

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  3. Ler isso me trouxe lembranças do primeiro dia em que participei da vivência....A mão estendida... A porta aberta.... O coração aberto....Aprender a andar... Entrar num caminho desconhecido e continuar a caminhar sem querer parar... Todos que participaram desse processo com certeza estão sentindo muita falta.... Bjks e saudadeeees

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