sábado, 15 de junho de 2013

Algumas considerações...

Quando se vive uma situação como a que vivemos na quinta, pode-se dizer que vivenciou a barbárie. E, por mais que sejamos mais fortes que ela, a barbárie tem o poder de matar alguma coisa dentro de nós. 

Na manhã de sexta feira fui trabalhar ouvindo um programa sobre o Almir Sater na Rádio Cultura. A viola dele, linda, me enchia de poesia. E alguma coisa dentro de mim sentia que aquilo não era compatível com o que eu estava sentindo. Não há espaço para a poesia quando se está em guerra. É claro que esse é um sentimento passageiro. Até porque, se não o fosse, não valeria mais a pena lutar. Mas não tem como negar que é dilacerante tentar responder com poesia a balas de borracha. Passei as noites seguintes sonhando com bombas em ruas escuras e, quando acordada, tremendo as pernas ao ver uma viatura, ou ouvir uma sirene. É traumático, num nível do qual não sei nem se tenho clareza a profundidade. 


Mas, ao mesmo tempo, ver a mobilização das pessoas - ainda que nas redes sociais- , a indignação, a força do coletivo, inspira e dá, além de coragem, até certa ansiedade de ver o ato da segunda feira. 

Esta quinta cheguei atrasada no ato, fui direto do trabalho. Não cheguei a ver as palavras de ordem, os cartazes, a música, a movimentação. O único momento que vivenciei foi a barbárie, a violência policial, o estado de sítio que a Paulista virou. Embora quisesse muito, não cheguei a me manifestar, e levei bombas na cabeça mesmo assim. Não faz sentido, mas é bastante significativo.

Pra quem nasceu em 1985, e desde sempre teve consciência política, é comum existir uma falsa nostalgia dos anos 60, não vividos. Sempre conversei com muita gente sobre o fato de que a nossa geração tinha muito mais dificuldade de se engajar porque, além de ter nascido na chamada década perdida, os estranhos anos 80, não consegue ter clareza do seu inimigo. O sistema capitalista e neo-liberal se estruturou nas últimas décadas de forma tão perversa que consegue cooptar qualquer movimento de resistência, e acabamos por não saber contra quem lutar.

O que os últimos acontecimentos nos trouxeram, no entanto, foi a concretização de alguns inimigos. Geraldo Alckmin, sem dúvida, é um deles. A Rede Globo é outro. Mas o inimigo é mais do que uma figura política ou uma emissora de TV. Especificamente em São Paulo, sinto que estamos nos levantando contra os mais de 20 anos de governo do PSDB, que trouxe consequências como o sucateamento dos aparelhos públicos: transporte, saúde e educação como carros chefes. Trouxe também a política higienista em sua base, e a privatização velada da Universidade de São Paulo. 

Me parece que agora lutamos contra tudo isso e, ainda, contra a hostilidade de morar na cidade de São Paulo. Só quem mora ou já morou aqui sabe como é árido viver aqui. E tem sido cada vez mais. Cada vez mais barulhento, violento, cinza, poluído, cheio e frio. Pra quem gosta de São Paulo, é triste demais ter vontade de sair correndo daqui todos os dias.

Diante de tanta mobilização, diante do ímpeto coletivo de gritar o que está entalado na garganta há anos, é importante entender que esse é só o começo. Ainda assim, é inevitável, pra quem aos quatro anos se emocionava com a música: Lulalá, brilha uma estrela..., emocionar-se agora. É também inevitável, entretanto, sentir o gosto amargo da desilusão com o PT. 

Independente disso, a boniteza dessa manifestação é justamente que ela transborda os limites dos partidos políticos, dos interesses de pequenos grupos ou politicagens demagógicas. É o resultado de uma insatisfação, um incômodo de anos. E da vontade de ver mais poesia na vida cotidiana, da nossa tão linda e árida São Paulo.

Que a barbárie não nos roube mais poesia. Que a mobilização não seja só uma utopia. E que esse momento histórico seja só o primeiro passo para o caminho da conscientização e do engajamento da sociedade!

Um comentário:

  1. Minutos de silêncio em mim...
    São Paulo precisa parar para encontrar em entre tantos estrondo
    o seu silêncio
    a sua poesia roubada.
    Isso precisa ser devolvido a nós
    tenho a esperança em milhares de desconhecidos
    valentes que se entregam em simples doação
    a estes o meu peito
    a estes o meu eterno respeito.

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